21 de julho de 2009

Quando me calo.

Espreito-te devagarinho no quarto. Tardo em adormecer. Abro a porta devagar e pé ante pé, caminho até sentir o teu respirar pesado pela profundidade do teu dormir.
Não adormeço sem te olhar. Não sossego sem afagar o teu cabelo.
Apesar do calor, tapo-te com um lençol, como se te protegesse de alguma coisa enquanto estás só naquele que é, enquanto cá pernoitas, o teu quarto.
Cresces todos os dias. Enorme. “Gigante” como tu dizes.
Quando te observo a dormir, vejo a tua bochecha a ficar mais esguia, com a dentição definitiva a aparecer da tua boca aberta.
Sorrio.
Cai-me uma lágrima.
Apetece-me abraçar-te e espremer-te contra mim enquanto retenho a respiração.
Como se o teu abraço me desse o meu último suspiro.
Seria assim que queria que fosse. No teu abraço.
Saudades do abraço. De um abraço.
Depois de te beijar a face, tu levantas a mão e dormindo, fazes-me uma festa. Recordo-me de como todas as noites, bebias o biberão com celerac sem despertares. Truques para me (nos) dares algum descanso durante a noite.
Fecho a porta do quarto com a sensação de que só depois daquele ritual ficas em segurança.
O meu instinto protector desperto.
Durmo sem tranquilidade. Sem conseguir de facto, dormir. Um sono acordado. Atento. Vigilante. Por vezes consigo ouvir-te a respirar no outro lado da casa.
Deito-me de costas e com um braço debaixo da cabeça, olho o tecto do apartamento como se tivesse estrelas.
As do meu alentejo. Grandes, luminosas e atentas a ti. Dirigidas a ti. Olhando para ti.
Fecho os olhos…até ouvir o teu caminhar descalço a sair do quarto. Acompanhada pela manhã, vens em direcção a mim, entregar-me o abraço e o beijo que me mantém aqui.
Sem cobrares, sem pedires, sem interesse, sem proveito, sem nada, … com tudo.
Levanto-me e faço-te o pequeno-almoço, enquanto acordas junto dos teus desenhos animados preferidos.
Lembro-te que tens que comer tudo. O dia é grande e belo, atento e esperando a tua energia irrepreensível e inesgotável.
Surgem as minhas primeiras ordens.
Do pai, quando te mando lavar os dentes.
Do amigo quando te abraço recompensando-te por te teres vestido e lavado sem te mandar.
Do teu mestre quando te respondo às questões pertinentes e filosóficas da manhã.
Do teu educador quando te peço para me ajudares com a mochila e com os sacos.
Do teu tudo o que precisares que seja.
No automóvel vamos brincando e falando como se fosse (e é) mais uma despedida, mais um até logo, mais um até ao próximo fim de semana, mais um “ não estou contigo mas estás no meu coração… e não te esqueças… liga-me todos os dias…”.
Esquecer... Como se pudesse ou quisesse.
A viagem para a escola, faz-se sempre com uma mão dada a ti.
Fazemo-lo sempre que andamos de carro. Atrás na tua cadeira, impões-te a ti própria algum desconforto para me dares a mão, enquanto conduzo. A busca da minha mão, é mais um gesto teu que me dá alento, durante a (mais uma) separação.
Chegamos à escola e entrego-te aos educadores. A minha protecção acaba e volta a agonia.
Deixo-te com a professora e volto a baixar a cabeça. Volta o silêncio. Voltam as cobranças. Os deveres. As tarefas. Os compromissos. O peso nos ombros. A solidão. O silêncio. O silencio. O silencio…
A tua imagem aparece e mantém-me neste curso. Preso nesta vida a ti. Por ti.
Cá onde sei, que dentro de uns dias, vou novamente ser abraçado, amado por ti.
Todos os dias vou falar contigo.
Vou ouvir-te dizer que me adoras e que sou o melhor pai do mundo.
Com o regresso a casa já sem sol, entro e vejo os rastos da tua presença...
Falo contigo e penso que dormes no quarto.
… porque à noite… quando adormeço… oiço os teus gritos de alegria na praia, ou no parque, ou os teus comentários no cinema, ou os sorrisos marotos, ou gozões…
… Agora… parece que te consigo ouvir a respirar no outro lado da casa
Mas não estás.
Hoje não te vejo adormecer.

1 comentários:

Ladrão De Nêsperas disse...

Na tua escrita me sinto.
Sublime, dá-nos mais.