30 de setembro de 2010

Na sequência...

Deparei-me com um post numa das redes sociais do momento onde, uma pessoa com cerca de 30 anos falava em “Selvagaria de Viver”;
Bom não sei o que isso significa para ele; Deduzo que seja uma forma de expressão para a frase “cada um por si”, encostado por algo pérfido que lhe aconteceu.
Pessoalmente, vejo as redes sociais como uma forma de comunicar quando a coragem não existe, ou quando a forma moderna de vida não deixa espaço para “simplesmente” conversar com alguém que nos importa.
A dependência inconsciente da tecnologia substituiu as relações sociais mais basilares e elementares.
O facilitismo da utilização das tecnologias permitiu isso mesmo, que seja mais inteligível utilizar um computador com internet e as suas redes sociais/blogs/msn´s do que ir a uma tasca trocar meia dúzia de palavras com um "simples" amigo.
Seja como for, vejo este fenómeno, à distância mas em proximidade, como um pequeno mundo dentro do mundo electrónico, que por si faz parte do mundo real.
Digamos que vivemos um “Inception” (filme que recomendo que vejam) mas acordados e num terceiro nível. Uma personalidade fora de nós, ou porque não, a nossa verdadeira personalidade despida de preconceitos e defesas.
- O primeiro nível de realidade distingue-se pelo trabalho, casa, família (quando é), amigos (quando os há), supermercado, actividades lúdicas, académicas, desporto (cada vez mais solitários, porque não considero o Ipod um amigo), “cafezinhos” de circunstância ou até almoços com amigos onde o silêncio se destaca.
- Um segundo nível, o nível electrónico, onde a informática ocupa as nossas vidas quotidianas, Ipod, portátil, Ipad, automóvel super hiper equipado, gps´s, iphone´s, mp3, vídeos, pdf´s, doc´s, correio electrónico, redes de partilha de ficheiros, computadores velhos, novos, grandes ou pequenos.
- Um terceiro nível, onde o primeiro nível entra no segundo e se funde neste novo estádio da natureza humana. A “identidade” digital, auxiliado, (permitam-me a exclusão de outros serviços electrónicos), pelas redes sociais.
Não será, nos dias de hoje, esta “identidade digital” a nossa verdadeira identidade? Onde não temos que utilizar as defesas, protecções ou dissimulações, necessárias para sobreviver no dia a dia?
Reparei que com muitos (felizmente não todos) dos meus “amigos” de uma destas redes sociais,(Facebook), existe a preocupação de simular qualquer coisa, parecer-se com algo, uma figura do imaginário, um super-herói, um vizinho que se inveja ou se calhar apenas connosco, com o nosso “eu” (que pode ser um reflexo de tudo o que se deseja - não confundir com o superego de Freud).
Com isto em mente e numa fase distante do seu verdadeiro “eu” se descrevem em fotos (sempre a rir, felizes e em festa), frases (sempre de índole espiritual e, adivinhem, a aconselhar qualquer coisa), jogos (sempre numa tentativa de tapar algum buraco social), comentários (jocosos ou em Flirt), pensamentos (sempre positivos ou a tentar demonstrar algum lado artístico oculto) ou só, apontando (intencionalmente e com segundas intenções) para um filme ou Website de que se gosta.
Raramente o “eu” se mostra no seu intimo, excepto nos extremos, na felicidade ou na tristeza, sendo recorrente o “cliché” da melancolia e da vitimização quando algo da sua vida não corre de feição.
Este processo de vitimização, pouco tem de irreal e de banal, só demonstra a vulnerabilidade e a fragilidade do principal sistema de todos.
O ser humano.
Na tristeza ou na dor, o terceiro patamar do nosso nível de “Inception” é cobarde e acoita-se à sua insignificância, socorrendo-se sempre e caindo permanentemente sobre o verdadeiro “eu”, ou seja passando para um primeiro nível (para quem não ultrapassa a superficialidade da vida terrena e material - no filme do Christopher Nolan este movimento chama-se "Kick up")ou para um mais profundo, o quarto nível, o nosso e verdadeiro "eu".
Em suma, os níveis organizam-se como um "eu simples e material" dentro do "eu tecnologia" dentro do "eu digital/user" que em alturas de alta concentração ou aflição entra num "eu introspectivo e real".
Pausa
Por outro lado observem os reflexos da vossa vida tecnológica na “vida real” ou "eu" - primeiro nível.
Vejam as novas discussões e motivos de afastamento só porque “não me convidaste para amigo”, as novas ofensas “porque não comentaste a minha foto”, as novas suspeitas “porque ele não me disse nada e não clicou no like it”, ou os novos ataques de raiva porque "ele não se comportou como esperava" (associados ao gaming online).
Pausa.
Experimentem a ficar sem postar (inertes no primeiro ou quarto nível)uma ou duas semanas no Facebook e verifiquem (com muita pena ou surpresa para alguns) que o mundo, à imagem do mundo real, continua exactamente igual, a tratar-vos de uma forma “selvagem”, injusta e absorta.
… e sim, eu já confirmei, continuarão sozinhos, conforme já o eram.
ou não.

17 de setembro de 2010

"A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos."

Agostinho da Silva in "Diário de Alcestes"