O que o acordou foi o silêncio.
Primeiro, o do despertador que não tocou à hora combinada todas as manhãs. Depois o de outra respiração, que devia ouvir e não ouvia.
Estendeu a mão para o quente do outro lado da cama e encontrou o frio (…). Um prenúncio de tragédia desceu por ele abaixo, como um arrepio. O que acabara de se lembrar era que não acordara só, por acaso, ou por acidente: aquele era o primeiro dia, a primeira manhã da sua separação (…).
“Divorciado, 40 anos, bom aspecto, licenciado, rendimento médio-alto, casa própria e espaçosa, desportos, ar livre, terno e com sentido de humor. Mulheres compatíveis? Deus do céu, dezenas delas! Sou um partidão” – concluiu ao espelho. “Até agora vou-me aguentando”, considerou ele.
Entre perdas e danos e a certeza adquirida que nada dura para sempre, restam-lhe várias razões e objectos e sentimentos para olhar em frente sem um sobressalto. Passeou-se pela casa pensativo, fumando o primeiro cigarro do dia.
De repente lembrou-se que ainda não tinha visto o quarto do filho (…).
Sem saber porquê, sentou-se no chão encostado à parede, muito devagar, a olhar para a fotografia.
Duas grossas lágrimas escorreram-lhe pela cara abaixo e caíram na madeira do chão, entre as pernas.
Foi só então que ele percebeu que estava a chorar.
Não Te Deixarei Morrer, David Crockett,
Miguel Sousa Tavares
Há 7 anos
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